Assunção de Maria, Corpo de Cristo, Imaculada Conceição

A polémica sobre os feriados está lançada. E mal lançada. Por que razão haveríamos de concordar com esta espécie de lei de Salomão que o Governo propõe e que consiste em dividir o mal pela metade – nós sacrificamos dois feriados laicos e a Igreja faz o mesmo com dois feriados religiosos? Tanta equidade, se não fosse forçada, faria melhor serviço noutras dimensões da sociedade do país. A haver capelas por que distribuemos o mal, suprimindo os feriados, deveriam ser três e não apenas duas as partes a considerar – além dos feriados religiosos, além dos feriados universais, há, com toda a evidência, feriados que dizem exclusivamente respeito à existência do país. Não fosse já de si absurda esta organização do país por quotas, a que não cabe à Igreja a metade, ter-se-ia de olhar para o facto de que a existência do país não deve nunca ser menos celebrada do que qualquer aspeto particular da sua sociedade, mesmo que estejamos a falar da Igreja.

O problema começa por ser um problema de método. Não seria melhor procedimento olhar para os 14 feriados existentes e avaliá-los um a um?

Entre os feriados religiosos, parece-me que uma sociedade plural e madura deve respeitar os momentos centrais do calendário religioso, sobretudo os que mais se ligam a práticas fortemente enraizadas na vida comunitária dos portugueses, sejam ou não pessoas religiosas. É manifestamente o caso dos feriados do Natal, da Sexta-feira Santa, da Páscoa e do Dia de Todos-os-Santos. São 4 feriados. Já os feriados da Assunção de Maria (que é a 15 de Agosto), Corpo de Cristo (7 de Junho) e Imaculada Conceição (8 de Dezembro) pouco ou nenhum impacto têm nos portugueses a não ser que sejam católicos efectivamente praticantes, e que não chegam, como é sabido, à metade da população nacional. Pelo contrário, o mais frequente, sobretudo entre jovens urbanizados, é alguém concluir, com toda a naturalidade, que 15 de Agosto e 8 de Dezembro devem ser feriados religiosos já que não celebram nada que, à partida, seja reconhecível.

Estes três feriados seriam, sob qualquer lógica, até pela salomónica lógica do Governo, os primeiros dispensar. Com efeito, entre os feriados que celebram Portugal, temos os seguintes feriados: o 25 de Abril, dia da Liberdade, o 10 de Junho, dia de Portugal, o5 de Outubro, dia da República, o 1º de Dezembro, dia da Restauração. São novamente 4 feriados, a juntar aos 4 feriados religiosos socialmente significativos. Se querem justiça salomónica, então façam-na, mas bem.

Entre os feriados universais, temos o Ano Novo, o Carnaval, o 1.º de Maio, dia do trabalhador. Além de não se ver nenhuma razão social para os dispensar, dado o seu impacto social ser significativamente maior do que os três feriados da Assunção de Maria, Corpo de Cristo e Imaculada Conceição, não é aceitável confundi-los com os quatro feriados que respeitam exclusivamente a Portugal.

Celebrar a existência do país é realizar Portugal festivamente. É dar ânimo e confiança a um projeto comunitário com mais de oito séculos e pelo qual fez sentido e continuará a fazer sentido sacrificarmo-nos. O 10 de Junho, celebra a identidade nacional, mantendo vivo o laço com Camões e o nosso poema épico; o 25 de Abril, celebra a conquista nacional da liberdade, conquista de que nos orgulhamos e de que nos podemos envaidecer diante todo o mundo; o 5 de Outubro, celebra o regime político em que a nação vive e as atitudes que consagra na promoção do bem comum; o 1º de Dezembro, celebra a afirmação incondicional da independência de Portugal.

Sacrificar qualquer um destes quatro feriados é também uma forma de desistir do país. É sacrificar os valores nacionais por que nos sacrificaríamos!

Depois de deixar cair as pessoas, convidadas a emigrar, agora são as suas representações comunitárias, os seus valores e afectos nacionais, aquilo mesmo que as ligava cá, o que é deitado borda fora.

Quando mais precisamos de afirmar a independência incondicional do nosso país, eis que um Governo nos diz para não celebrarmos o 1.º de Dezembro; e quando mais precisamos de acreditar nas instituições da República Portuguesa, na sua Constituição, num Presidente da República, numa Assembleia da República, eis que um Governo nos diz que devemos sacrificar o 5 de Outubro. Em oito séculos, Portugal teve dois regimes políticos e pedem-nos que tomemos por igual o dia em que celebramos o regime em que vivemos e de que dependemos com um feriado religioso da Assunção de Maria, ou do Corpo de Cristo, ou da Imaculada Conceição. Não pode ser; pura e simplesmente, não pode ser.

Duas notas:

1. Uma boa sugestão, feita pelo Pedro Pita Barros, é suprimir os feriados municipais, por exemplo, no caso de Lisboa, o Santo António… mas é mais um Santo, e socialmente muito mais significativo do que qualquer dos três feriados religiosos de que falo. Juntando-o a estes três, pouparia o 1.º de Dezembro e o 5 de Outubro.

2. Declaro desde já que, em eleições legislativas futuras, estarei atento aos programas eleitorais que se comprometam com a salvaguarda patriótica dos 4 feriados com relevância existencial para Portugal.

Sobre André Barata

Filósofo, professor da Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior.
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10 respostas a Assunção de Maria, Corpo de Cristo, Imaculada Conceição

  1. Na minha modesta opinião deviamos suprimir todos os feriados religiosos, a excepção do Natal e da Páscoa. Se somos um Estado laico como se grita aos sete ventos, então não faz sentido nenhum ter feriados religiosos, ou então podiamos incluir o ramadão ou outro feriado de outra religião que exista em Portugal pois se a Constituição consagra igualdade de direitos aos seus cidadãos é preciso não esquecer que existem outras minorias religiosas em Portugal e ai Portugal teria que dizer que isso da laicidade é treta… Outro aspecto engraçado é que na Primeira República aboliu-se os feriados religiosos dado o carater anti-Igreja que o governo de Afonso Costa tinha e nessa altura o Natal foi subtituido pelo chamado Dia da Familia o que acho extremamente bonito pois na verdade é o que o Natal é… Eu como patriota e amante da nossa história acho que muito mais importante são os feriados civis de caráter Nacional do que os feriados religiosos, feriados como o 10 de Junho que representa a língua Portuguesa e as nossas comunidades espalhadas pelo Mundo, ou como o dia 5 de Outubro que além de ser o dia em que implantamos a República também é o dia em que se fundou Portugal como Nação independente. Esses sim são feriados que jamais devem ser esquecidos e que são pilares da nossa memória coletiva enquanto Estado-Nação e por aquilo que por aí dizem, dos mais antigos do Mundo por sinal…

  2. João Figueira diz:

    Seja qual for a data celebrada com feriado Nacional, representa certamente uma conquista de alguém.

    Se uma conquista é uma vitória, abdicar dela será um acto de cobardia.

    Não compreendo a razão desta divisão de opiniões, entre, que datas devemos ou não celebrar com feriado. Sim celebrar com feriado!!!. Pois celebrar é algo diferente de passar o dia em casa de pantufas a assistir a programas de embrutecimento na TV.

    E acreditem que ainda há muito boa gente para a qual os feriados tem o seu significado.

    Os portugueses deveriam preocupar-se mais em defender os direitos adquiridos. Os feriados, todos eles são direitos que mal ou bem foram merecidos, quer concordemos com eles ou não, para alguns, uns feriados são importantes, para outros os mesmos feriados, não o são. Só pelo facto de não concordarmos com este ou aquele feriado não nos dá o direito de privarmos outros desse direito adquirido.

    Sobre os feriados religiosos e os feriados políticos, sejamos nós religiosos ou laicos ou lá o que seja isso. Na minha opinião, é de muito mau gosto comemorar golpes de estado, em especial aqueles que são consequência de crimes de sangue. No entanto e apesar de uma destas datas estar em causa não vejo nisso motivo de contentamento. Até porque para mim o 5 de Outubro sempre representou o Tratado de Zamora, a verdadeira comemoração de Portugal desde 5 de Outubro de 1143.

    Criar rivalidades entre facções da sociedade é dividir a atenção e forças, o que é bom para esta medida, e assim passará mais um decreto ao descontentamento geral.

    É uma tremenda estupidez, achar que só por vivermos num estado que se diz laico devemos abdicar de feriados desta ou daquela crença, os feriados católicos, existem porque antes de o estado se considerar laico, Portugal já era e sempre foi durante mais de 800 anos católico. Neste território ao qual chamamos Portugal, também já se comemorou o ramadão meu caro Ronaldo, se actualmente não se comemora deve-se a conquistas de católicos. Enquanto não formos novamente conquistados por esses que comemoram o ramadão, respeitemos o nosso passado.

    Abdicarmos de direitos, que defendidos apenas por um determinado grupo de uma sociedade, beneficiam toda a sociedade, é perder direitos sociais. Da minha parte, preferiria sem qualquer duvida manter todos os feriados, tenha eu intenção de comemora-los desta ou daquela forma ou nem sequer comemorar. Certamente alguém dará importância a datas que a mim não me dizem nada. Respeito isso…

  3. Eduardo Dixo diz:

    Confesso que me choca desde logo a subserviência do Estado face à Igreja: Portugal tem um conjunto de feriados civis com significado histórico e que não pode, enquanto Estado, até ver, independente e soberano; por outro lado, há um conjunto de feriados religiosos que não fazem qualquer sentido comemorar, não só porque o Estado é laico (apesar da predominância da religião católica entre os seus cidadãos), porque, para a maior parte dos cidadãos (apesar de serem católicos), pura e simplesmente ignora o que se comemora nesse dia: o Corpo de Deus (que em rigor se chama Corpus Christii) , a Assumpção de Maria e a Imaculada Conceição (curioso Estado laico que tem uma Santa Padroeira).
    Os três feriados religiosos poderiam desaparecer pois não têm, hoje, grande significado no imaginário colectivo português e apenas se sentiria a falta do “descanso” e não da “festa”.
    O governo ao aceitar prescindir dos feriados da Implantação da República e da Restauração da Independência Nacional, com o fim, único, de não hostilizar a Igreja Católica (leia-se a hierarquia e não o conjunto de crentes) revela o desrespeito pela nossa história. Revela igualmente que, infelizmente, já não somos um Estado soberano mas uma colónia ou um protectorado da Alemanha.
    Revela igualmente o descontrolo que vai no Governo que o impede de perceber o elementar: numa altura em que Portugal sofre insuportáveis medidas de austeridade que oprimem as famílias e a economia nacional, seria importante que os Valores associados à nossa história (com 800 anos) fossem enaltecidos, encorajados e celebrados e não espezinhados.
    [quanto aos feriados municipais, é preciso ter algum cuidado: nem todos os concelhos comemoram, como feriado popular, um santo; muitos há que celebram nesse dia a sua elevação a concelho ou momentos marcantes da sua vida concelhia. Os Santos Populares (S.to António, S. João ou S. Pedro) apesar de serem comemorados em todo o país, apenas são feriados municipais em poucos concelhos]

  4. Jorge Bravo diz:

    Uma questão só!

    Quantos é que ligam o 5 de Outubro ao tratado de Zamora de 1143?
    Tirando esses, que são só alguns, poucos, para os restantes é… outra coisa.

    1 Dezembro nem pensar, pior só pactuar com aqueles que acham que a Extremadura España, termina junto à costa em Cascais!
    Filipinos só em chocolates com bolacha!

    Ou tudo não passa de mais uma, dos… que não sabendo o que fazer ( fraco Rei faz fraco o nobre povo) preferem verem vender tudo por um prato de lentilhas?!

    Despicienda esta questão não é, a menos que o seja para os mesmos que nem um esforço de alma fazem para mover uma palha a favor dos que estão esforçando, mesmo sem norte governativo e com muitas duvidas da bondade das medidas tomadas, mesmo assim vão cumprido para a recuperação da credibilidade da nossa gente.

  5. Caro João Figueira, acho que devia ler a “Ética Protestante e o espírito do capitalismo” de Max Weber e as “Causas da decadência dos povos peninsulares” do meu conterrâneo Antero de Quental pois é por causa dos seus 800 anos de história da Igreja católica que estamos neste declínio e probreza franciscana em que se encontra Portugal… Deviamos era criar o feriado religioso para lembrar de todos aqueles que morreram as mãos da Inquisição, o chamado tribunal do Santo Ofício, que de santo não tinha nada e que tantos inocentes condenou a morte… Essa é a história que tem de ser lembrada… A Igreja já perdeu o seu poder, sinal disso foi a sua aliança no século XX com as ditaduras de forma a dar um ultimo folego de repressão e controle da mente humana, não conseguiu pois a fé se aceita em paz e de livre vontade, não pela tortura e repressão… Portugal já não é um país católico e nem tem que ser porque antes de tudo temos liberdade de espressão e de culto, é assim que consagra a nossa Constituição. Temos que ser laicos porque a laicidade é das maiores conquistas da humanidade e foi ela que nos tirou da idade das trevas em que a Igreja nos envolveu… Ser laico é ser Repúblicano, e se somos uma República devemos lutar pela Liberdade, pela Democracia e pela Laicidade do Estado!

    • Jorge Bravo diz:

      Apoiado!
      Incondicionalmente!!
      Sempre!!!

    • João Figueira diz:

      Caro Ronaldo, certamente não tomou a devia atenção ao que escrevi. Posso ter uma opinião pessoal, posso não me interessar pelos valores que defende, posso até nem concordar com eles. No entanto não tenho interesses em sobrepor as minhas ideias às de outros. O que defendi no meu texto foi a pluralidade, não individualismos.
      Criando facções, em que uns defendem o fim de uns feriados e os outros defendem o fim de outros, a melhor lei não será uma “espécie de lei Salomónica”, mas sim aquela que acabe com todos os feriados. Pois provavelmente todas as facções ficarão contentes por ter tirado algo a outra facção, até se aperceberem que ficaram todos a perder.
      Sempre a velha fábula da rã e do escorpião…

  6. Nuno Soares diz:

    Na minha humilde opinião, os feriados municipais são completamente descabidos, por isso deveriam acabar. E não tenho essa opinião de agora, há muito tempo que o digo.
    Quanto ao resto, parece-me que o 15 de Agosto e o Corpo de Deus podem deixar de ser feriado, pois não é o facto de serem feriado que lava a um aumento ou diminuição da fé que cada um possa ter. Noutros tempos, festividades importantes em termos de igreja perderam esse estatuto e não foi por isso que a fé se perdeu.
    Ainda assim, não podemos esquecer que nalgumas localidades, estes são dias importantes.
    Parece-me que mais importante que extinguir feriados, é tomar medidas que combatam o absentismo e a improdutividade nos outros dias de trabalho. Isso é que era importante, pois com o caminho que levamos, um destes dias, voltamos ao tempo que se trabalhava todos os dias por uma malga de caldo.
    Voltar à escravatura, não obrigado!
    Mas de mansinho …

  7. Caro João Figueira, respeito a sua ideia pois a Democracia consiste em respeitar as ideias de todos. Contudo a minha opinião pessoal foi a que dei, não por querer me sobrepor a sua mas por achar a laicidade do Estado algo fundamental para a saúde e bom funcionamento das instituições Democráticas. Diz que talvez o melhor era acabar com todos os feriados, eu digo então que se acabe com o Hino, a Bandeira e todos os outros simbolos da Pátria, os feriados civis são os valores que o País defendeu, lutou e morreu para que hoje existisse Portugal. Os feriados civis devem continuar, os religiosos é que não pois Igreja e Estado não duas coisas distintas, repeitar a religião e ter liberdade de culto é uma coisa, outra é misturar religião e Estado. Sim pelos feriados civis que aliás são 5, Portugal tem 14 feriados nacionais, destes 5 são civis, os restantes 9 são religiosos. Há uma boa desproporção não há?Ou seja, passará a haver 3 feriados civis e 7 religiosos, num Estado que se diz laico, estou pasmado… Acho que temos que acordar e enfrentar o touro pelos cornos a não ser que queiramos voltar a queimar umas pessoas na fogueira como a Santa Madre Igreja fazia e não há muito tempo atrás… Como já disse, defender um Estado laico é defender a República e a Democracia, defender os feriados civis é defender a nossa História, Cultura e Nação! Essa Nação que é Portugal e que vive porque temos enquanto Povo uma memória coletiva…

  8. André Barata diz:

    Caros amigos, li com atenção os vossos ótimos comentários, francos e claros, sobre o tema. Agradeço a riqueza que trazem à discussão. Certamente, o debate público sobre o assunto não ficará por aqui.

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