Quem olhe para o Despacho Normativo que vem regular a avaliação no Ensino Básico em Portugal (n.º 24 A/2012 do passado dia 6 de Dezembro) é bem capaz – e com bastante razão – de olhar para o lado e perguntar se acordou fora do seu tempo. O salto atrás é de tal magnitude que não pode ser simplesmente visto como mais um episódio do habitual diferendo em matérias de pedagogia. O que realmente se tem diante dos olhos é um salto atrás de escala civilizacional. Vivemos tempos de endurecimento das vidas, tempos em que nenhuma conformação parece exagerada, nenhuma mudança inconcebível.
O Despacho determina que as crianças que frequentam o último ano do 1.º ciclo do ensino básico (a antiga primária) façam um exame de Português e outro de Matemática, com peso significativo na avaliação final das crianças, ambos exames longos, com a duração de 90 minutos. Além disso, caso os meninos não tenham aproveitamento numa primeira fase, ficam obrigados a prestar provas numa segunda fase do mesmo exame. Ou é isto ou é uma caridosa retenção (eufemismo para “chumbo”).
Tudo isto será desproporcionadamente duro para meninos e meninas entre os 9 e os 10 anos, mas como se não bastasse, estas crianças serão ainda sujeitas, como, na verdade, não aconteceu com os seus pais, a uma classificação numérica de 1 a 5, em pauta afixada publicamente, no termo de cada período lectivo. Subitamente, o que era prática apenas a partir do segundo ciclo do ensino básico entra nas escolas do 1.º ciclo, com a agravante de se juntar a esta avaliação quantitativa e com exposição pública – para que tudo fique desde cedo bem discriminado -, ainda a figura de exames obrigatórios que podem determinar a perda de um ano lectivo inteiro, independentemente do que a escola possa alegar sobre as capacidades dos seus alunos. Aliás, às escolas apenas restará conformarem-se, com sacrifício do seu património de experiências de ensino, ao novo centralismo vigilante e paternalista que vem do poder central.
Está já claro que o que indigna não é o princípio de haver exames para os meninos do 4.º ano – já os havia de aferição e, reconheço, com alguma pertinência -, mas toda a forma de uma avaliação menos interessada no objectivo de uma melhor preparação da criança do que na sua subjugação a um modelo social de exposição forçada, modelo de uma escola que prefigura a dureza da vida, e que qualquer pai ou mãe deviam, numa sociedade civil forte, poder recusar para os seus filhos.
A filosofia subjacente a este Despacho é a de nos endurecerem os filhos, tal como no-lo fazem na esfera económica sempre que nos chamam piegas, ou nos subtraem “zonas de conforto”. O programa ideológico em curso neste país põe a pedagogia, como pôs a economia, ao seu serviço. É de facto admirável, este estranho mundo novo, em que vamos vivendo, agora desde cada vez mais pequeninos. Enquanto formos deixando, é claro.
PS: É impossível não registar com forte desagrado que este Despacho com data de 6 de Dezembro impõe às escolas que os meninos do 4.º ano sejam classificados quantitativamente na forma de uma pauta afixada publicamente já nos próximos dias. Simplesmente, não se faz.